sábado, 28 de novembro de 2009

O Homem Perfeito

Como é o Homem Ideal?
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Karl Marx codificou uma obra que assustou tanto o mundo capitalista do século 19 que surgiram as leis trabalhistas e todos os critérios que salvaram crianças da exploração e deram aos adultos direitos básicos, como jornada de trabalho limitada e descanso semanal. Ele imagina o homem ideal como indivíduo livre, produtivo e criativo,ou seja, senhor do próprio processo de produção.
Sob uma perspectiva completamente diferente, Adam Smith e seus seguidores do Capitalismo compartilham dessa opinião.
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Sigmund Freud fez descobertas que esclareceram o comportamento humano, enfrentando poderosos tabus universais como infância, sexo, ditadura do meio sócio-cultural e pressão do subconsciente. Para ele, o homem ideal é aquele que conquistou a auto-consciência e a consciência do seu meio, trafegando sem atritos por seus mundos interiores e em harmonia com o mundo externo. Complementado por Young, sua dimensão é total, incluindo auto-consciência espiritual.
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Marshal Mcluhan foi o primeiro ou mais importante primeiro pensador e crítico dos meios de comunicação de massa, sonhou uma "aldeia global" e militou por reformas no sistema educacional que, se efetivadas, conduziriam as pessoas ao conhecimento pleno. Mas, foi vencido, pois pregava que a educação é processo de formação de caráter e não de treinamento de mão de obra. Crítico feroz da escola tradicional, o autor canadense aponta os defeitos do sistema atual, que, segundo ele, prefere criticar a mídia, em vez de utilizá-la como aliada na educação. "Poucos estudantes conseguem adquirir proficiência na análise de um jornal. Ainda menos têm capacidade para discutir com inteligência um filme." Irônico, afirma que "a educação escolar tradicional dispõe de um impressionante acervo de meios próprios para suscitar em nós o desgosto por qualquer atividade humana, por mais atraente que seja na partida". Para Mcluhan, o homem ideal é aquele que se tornou impermeável à influência das mensagens pela solidez e abrangência de sua educação.
Outros pensadores compartilham desta visão, como Bertrand Russel, Fritjof Capra e Rousseau.
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Adolf Hitler não descreveu o “homem ideal”, mas o “indivíduo ideal¨. Para ele, seria o produto perfeito de um processo de eugenia, representando os ideais de inteligência e perfeição física da raça ariana, sob a qual todas as outras raças estariam subjugadas. É o indivíduo fim em si mesmo.
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Jesus Cristo, Maomé e Buda, homens ideais, buscavam o “ser humano ideal” entre nós animais. O homem perfeito é o animal humano que deveria humanizar-se para depois tornar-se Jesus Cristo, Maomé ou Buda. Esse é o ideal de todos os messiânicos, de todos os alquimistas que já existiram e de todo Mago de verdade. Transformar o chumbo da carne em ouro do espírito, morrer e renascer para a vida eterna, sair da diversidade para a unidade. À sua maneira, Jean Paul Sartre vai pelo mesmo caminho quando afirma que ser homem é tender a ser Deus.
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Sócrates idealiza o ser humano ideal como alguém que não se expõe desnecessariamente ao perigo, uma vez que são poucas as coisas com que se preocupa o suficiente; mas está disposto, nas grande crises, a dar até a vida sabendo que em certas condições não vale a pena viver. Está disposto a servir aos homens, embora se envergonhe quando o servem. Ele não toma parte em manifestações publicas. É franco quando a suas antipatias e preferências, fala e age com franqueza, devido a seu desapego pela desejos dos homens e coisas. Nunca tem maldade e sempre esquece e passa por cima das injustiças. Não gosta de falar. Não lhe preocupa o fato de que deve ser elogiado ou que outros devam ser censurados. Não fala mal dos outros, mesmo de seus inimigos, a menos que seja com eles mesmos. Seus modos são serenos, sua voz é grave, sua fala e comedida; não costuma ser apressado, pois não acha nada muito importante. Uma voz estridente e passos apressados são adquiridos pelo homem através das preocupações.Ele suporta os acidentes da vida com dignidade e graça, tirando o máximo proveito de suas circunstâncias, como um habilidoso general conduz suas limitadas forças com toda a estratégia da guerra. Ele é o melhor amigo de si mesmo e se delicia com a privacidade, ao passo que o homem sem virtude ou capacidade alguma é o pior inimigo de si mesmo e tem medo da solidão.
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Emmanuel Kant propõe a formação de um ser humano ideal, estabelecendo a disciplina e a coação como pressupostos fundamentais no processo de educação. Mediante o rigor, a coação e a obediência levará a formação do caráter dos indivíduos. Segundo Kant, a disciplina e coação são apresentadas como fundamento necessário para a liberdade e a moral. A autonomia, princípio básico do bom uso da razão, depende da saída da menoridade, quando o ser humano não se encontra esclarecido.
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Stephenie Meyer não aceita a idéia de que seus vampiros sejam projeções de um ser humano ideal que deveria ser admirado, mesmo vivendo eternamente, pois deixam de ser humanos quando se transformam. Para ela, o ser humano ideal é aquele que está comprando um livro dela e milhares de escritores comerciais também pensam assim.

Pior do que criticar os livros de Stephnie, é gostar de ler os livros dela. 
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Leonardo da Vinci partilhava do ideal de universalidade renascentista, de que o ser humano ideal era o homem que conhecia todas as ciências e todas as artes.
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Confúcio idealizava aquele que conseguia a virtude perfeita, que chamava de "homem perfeito" ou "cavalheiro". Essa qualidade humana superior consistia na sinceridade, na moderação, na justiça, na fidelidade à natureza, na lealdade. Era, em suma, o zen, que, ao contrário do que pretendia a aristocracia feudal, não vinha do berço, mas se conquistava mediante permanente autocontrole e disciplina.
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Max Scheler , filósofo que já nasceu dispondo da língua perfeita para filosofar por suas infinitas possibilidades semânticas, a alemã, sonha que o herói é o ideal humano (como o santo e o sábio) que possui, em ordem decrescente, cinco valores fundamentais: santidade, brilho intelectual, nobreza, utilidade e capacidade de ser agradável. Segundo ele, o “herói é um tipo de pessoa ideal, com o centro de seu ser fixado na nobreza do corpo e da alma". Suas análises abrangem os mitos de super-homem, cartoons e HQ's com uma sagacidade exemplar.
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Arnaldo Jabor confunde o "macho perfeito" com o homem perfeito, numa crônica de sucesso. Reduz uma boa discussão filosófica ao estreito perfil do metrosexual cordial e domesticado. O estranho é que as mulheres adoram o tipo canalhão, quantas já não trocaram uma vida estável pelo primeiro bombado num conversível vermelho...
Pior do que não gostar do Jabor é ter que concordar com o que ele diz.

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To be continued...

sábado, 7 de novembro de 2009

Vivi no Melhor Mundo

Quando vejo como vivem meus filhos, me dá uma tristeza enorme.
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Era descomplicado, entendem? Sem televisão, sem jogos eletrônicos, sem telefone, sem nenhum perigo de encontrar violência. Nenhum complicador além de jogar bola, explorar os arredores, andar de carrinho de rolemã, brincar de coubói, ver matar e destrinchar um porco, aproveitando cada pedacinho. Nenhum perigo além de ser pego comendo uvas e morangos ainda verdes, meter fogo numa cerca (dois dias e uma noite escondido no galinheiro depois dessa - e todos sabiam que eu estava lá e deixaram!) ou rasgar a perna num espinho.
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Anos depois, conheci Curitiba como jamais. Cidade ainda mensurável, com começo e fim. Hoje, não termina, começa de novo em outra. Hoje, curitibanos não moram nela.  Andava por ela de moto, dando para contar quantas haviam na cidade, hoje é um caos e ser motoqueiro é sinônimo de crime ou baixaria de motobói. O romantismo e o espírito easy rider (aqueles dois traficantes) morreu.
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Ninguém falava em "efeito pantufa", a Amazônia era um imenso território a ser conquistado e as estações sucediam-se exatamente como dispostas no calendário. Nas enciclopédias, descreviam as baleias como fontes de alimento e gordura, mostrando-as heróicamente caçadas e retalhadas para nossa fruição. Os jacarés eram descritos como fonte para bolsas, sapatos e cintos. O verbete para "elefante" mostrava um caçador prestes a ser atropelado, com uma enorme carabina apontada para o ponto entre os olhos do animal. Mais abaixo,  ilustrações com delicadas obras de arte feitas com o marfim.
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O mundo ainda era grande. Um grande campo de caça com enormes florestas a serem epicamente conquistadas e dobradas à nossa vontade , pois eram lugares sombrios e perigosos, onde morava a bruxa malvada, onde o lobo comia menininhas e onde você podia se perder para sempre. Assim aprendi, através de fábulas infantis.
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O mundo era grande demais, perene demais. Só sabia das notíciais relevantes, que realmente importavam. Lembro de minha mãe gritando da janela "o Kennedy morreu" e eu, brincando debaixo das pereiras, olhei em volta e vi o vento cessar de todo e uma estranha imobilidade, uma expectativa sobrenatural, paralisar as árvores por um longo momento. Era 22 de novembro de 1963 e eu tinha seis anos e meio. Pois as pequenas notícias não circulavam, nem eram superdimensionadas por milhões de mídias, muito menos causavam a histeria das pessoas por pouca coisa. Hoje, um joguinho qualquer sem importância é tão minuciosamente explorado pelo jornalismo esportivo que gera guerra entre torcidas, causa tumulto e danos ao patrimônio público, pois o menor estímulo faz explodir a vida insossa da rapaziada e todos os impulsos de aventura, prazer e experimentação que a vida na cidade sufoca.
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Estou ficando velho! Fico dizendo que época boa era a minha. Mas posso comparar os momentos que vivi com aqueles que estou vivendo e não vejo como poderia fazer agora as mesmas coisas que fazia quando menino. Muito menos proporcionar a meus filhos vivências semelhantes.
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As grande propriedades de meus avós foram expoliadas pelos seus filhos, divididas e subdivididas até virar um monte de casinhas insípidas. A cidade fagocitou os campinhos e as plantações. Ninguém mais faz fumo de corda no galpão da casa, nem mutirão para debulhar o milho para as galinhas, nem é possível cruzar a cidade a pé para visitar a namorada.
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Tudo sem culpa e sem medo, naquele tempo. Nenhuma conseqüência em emitir gases nocivos ao gastar gasolina e  lixo era apenas lixo. Só comer codornas e perdizes, tucanos e tatus caçados por meu pai. Sem problemas com a Lei.
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Sem dúvida, vivi no melhor mundo possível.