quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Não esquesão de min



Não esquesão de min

Fico morrendo de vontade de contar uma história que me fez chorar um dia.

Uma história que começou com um evento corporativo, naqueles meus tempos de engravatado alienado. Quando usava minha inteligência mediana e toda ilustração obtida às duras penas em escolas e livros para dar um jeito de aliviar a Receita, levar no bico um empregado e enriquecer terceiros. Dias Duros.

Vamos lá, disse o dono da empresa, vai lá com a gente! Você conversa bem.

Era um jantar com um diretor das Lojas P., que vinha decidir com quem ficaria o quinhão principal de certo artigo de interesse do meu cliente. Dependendo de nosso poder de sedução, todo mundo ia ganhar dinheiro.

O restaurante era ali no estádio do Coxa e a comida era farta e boa, mas sempre achei meio seboso desde que minha mãe costumava encomendar ali o cupim do almoço de domingo.

Fomos até o fim quando, ensebados e meio bêbados, o cliente puxou a mim e seu irmão,o gerente Alfonso, para um canto e mandou: Levem ele até uma boate e deixem ele bem feliz, está sózinho no hotel e a gente precisa comprometer ele.

Arrastamos o figura até o Metrô, onde os caras da portaria e os garçons receberam o Alfonso como se fosse um playboi curtido na noite.Tratado pelo nome, mesa de pista, bebidas servidas sem ninguém pedir. Eu nunca tinha entrado naquela boate.

Noite adentro os dois caras bebiam enquanto eu esquentava a mesma cerveja na mão. Alfonso pediu mulher para o garçon e apareceu uma para cada um. Juro que os dois já foram passando a mão sem cerimônia nas coisas das meninas, mas eu estava paralisado e conversava sobre tolices com a loirinha que me coube, sem tirar os cotovelos da mesa e perfeitamente sóbrio.

Nunca fui disso, não estava disposto a começar e fazia horas já achava que as coisas estavam indo longe demais. Isso de ganhar contrato na base da putaria é muito nojento.

Quando o diretorzão percebeu o meu jeito, fez troça e puxou a loirinha para si. Mostrar como é que se faz e essas coisas de macho de verdade.

E caiu de conversa em cima da menina. Foi dizendo que era de uma agência de publicidade, que estava escolhendo meninas para uma campanha, que gostou do tipo dela, que era muito bonita (e era), que era o tal e outros quês.

Com certeza era um cara com todos os talentos para chegar a diretor lá da corporação dele, devo admitir.

A noite seguiu desse jeito, eles garfiando as moças e eu olhando.

Lá pelas tantas, parece que o Alfonso não convenceu o cara a levar uma menina embora, então a loirinha veio até mim e disse que ia trocar de roupa para arranjar um programa e faturar alguma coisa na noite e se perdeu na homarada do Metrô.

A gente ficou vendo uns shows onde aconteciam umas danças que pretendiam ser eróticas. É engraçado como manter o espírito crítico e lúcido pode deixar a vida sem graça, às vezes.

Dali um pouco, volta a loirinha.

Prestem bem atenção agora.

Ela chegou do meu lado, agora vestindo um tomara que caia ou bustiê, sei lá, todo brilhante, falou bem assim; veja só, quando eu tinha menos idade essas chances não apareceram e agora surge uma oportunidade dessa, olha que coisa. Eu vou te dar meu endereço e voces me ligam amanhã, só não digam que me conheceram aqui, pois esse é o telefone de minha irmã e ela não sabe que eu trabalho na noite. Tá bom?

Antes que eu dissesse olha aqui menina, continua puta que aqui só tem canalha, ela botou na minha mão esse bilhetinho. Clichê de todos os estereótipos. Folha arrancada de caderninho recortada dobrando com a unha e escrito ibidem assim em caixa alta:

MODELO E MANEQUIN

FULANA DE TAL E TAL

RUA DE ALGUM LUGAR POR AÍ, Nº QUALQUER

BAIRRO MERCES CURITIBA TEL. 33 E TAL

E lá em baixo, pulando uma linha:

NÃO ESQUESÃO DE MIN


É esse aqui, que resolveu cair de dentro de um livro ainda hoje e trazer de volta a lembrança:
Meu amigo, se mulher assim não é a pessoa mais ingênua que existe! Já tinha ouvido dizer que todas são ingênuas, mas nunca acreditei.

Aquilo me bateu com uma chacoalhada, se estava um pouquinho bêbado, não estava mais. Aquilo me derrubou, me deprimiu e chorei mas ninguém viu.

Esse foi meu desastre particular. Provavelmente nenhum outro cavalheiro ali presente sentiria a coisa como eu senti. Mas a noite ainda reservava uma surpresa (adoro clichês de escritor simplório).

O show especial da noite apresentava nada mais nada menos que a mãe, uma loirona passadona, apresentando a própria filha, uma loirinha na flor da idade, num espetáculo de ardente erotismo. E era bom mesmo, preciso admitir. A menina se movia com graciosidade e segurança, enquanto sua versão mais antiga circulava em volta. Bem na hora em que ela utilizava o cabo de um chicote de montaria para uma função estranha ao seu uso normal, percebi uma movimentação estranha em cima de nossa mesa.

O Alfonso, bêbado e ensandecido, subiu na mesa e segurava entre as próprias mãos o próprio membro viril, gritando Olha aqui como está duro.

O diretorzão, olhava para a cena assustado. Eu levantei e levei as mãos para tirar o Alfonso de cima da mesa, mas havia aquela coisa meio mole bem no meu nariz. Gritei desce daí seu maluco e outras coisas que esqueci e soquei o doido de volta na poltrona. O cara ainda balbuciava a se justificar .

O alvo da malandragem, o tal diretor, nem vacilou. Com o porre milagrosamente curado, foi saindo e fui atrás dele. Dizia para mim o Alfonso é louco,o que é isso, é esse cara que vai gerenciar a nossa conta. O sujeito estava prá lá assustado, pois vai que até canalha tem seus limites. Eu desculpei e fui atrás até a calçada da Cabral, meti o cara num taxi e mandei pro hotel.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Meu nome é Pedro José Flores Mathias Tebinka Pinto de Carvalho Malanski



Muito Prazer!

Se alguém me procura: estou aqui!

Pedro José Flores Mathias Tebinka Pinto de Carvalho Malanski é a ponta do iceberg de minha genealogia e só o mais tenro e recente ramo duma árvore metafórica.

E quem carregar qualquer desses nomes pode me pedir simples pousada ou que eu desça ao inferno em seu auxílio.

Sou o resultado de centenas de encontros inesperados, mas sei exatamente de onde vim, sei precisamente para onde vou e me conheço por inteiro.

Por Pedro pode me chamar, se acaso nos vimos além de uma só vez, pois é nome leve e não me compromete.

O José foi invenção do padre que me batizou, agregando mais de um santo ou  decerto intuindo minha necessidade de fazer com as mãos, mas nunca integrou meu nome oficial.

O Flores teve minha bisavó celestina, Mariquinha, cabelos brancos até os pés, violão entre os braços, falando diretamente com Deus a balançar crochês delicados, absoluta e poderosa doçura. Lá atrás, carregava ela histórias de maçonarias em Morretes e derradeiras ações de caridade.

O Mathias ostentava minha avó natureza, tão Maria também, cabelos negros assim guarani, toda um cajado, enxada ou segadeira, rija e forte, moldando a terra e as estações para perenemente colher qualquer fruto, essa maga dos remédios e de todos os mistérios perdidos da natureza. Qual o seu mistério e qual seu destino se permanecesse em Liepzing seu antepassado judeu?

O Tebinka trouxe minha avó realeza, Cecilia, dama dos pães, doces, costuras e etiquetas, rainha das festas e comemorações, artesã de elaborados presépios e pessoas. Muito além em seu passado, um cocheiro do imperador austríaco olha para além do dorso de corcéis imponentes.

O Pinto de Carvalho não ficou em meu nome cartorial, que se fosse também o José seria como o de meu avô, denunciando esses judeus rebelados, fugidos primeiro de Napoleão, depois dos separatistas de Portugal e até hoje avessos à política.

Vigora sobre os outros o Malanski, de meu avô guerreador, enorme, para quem eu olhava e imaginava capaz de todos os atos de gigante.

Cada memória genética de cada um deles vibra em cada fibra de meus tecidos e ossos, gritando os eventos traumáticos gravados fundo em suas vidas.

É um efeito colateral da lucidez, recordar as experiências acumuladas de cada memória genética que me constrói.

Os amores, decepções, abandonos – ah! os abandonos! – erros e alegrias de uma hoste de homens e mulheres, talvez desde o primeiro lampejo de consciência de um certo peixe no mar primordial.

A maioria, coisa bonita, pois ainda eram jovens quando se reproduziam.

N´outras vividas, tinha outras nominações.

Pude até hoje viver sendo todas as raças da face da Terra, pois aquele que Sou migra eternamente e frui de cada conjunto biológico.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Lucidez

Tive um sonho esta noite.

Dele acordei com a boca seca, apavorado com a possibilidade de esquecer o sonhado.

Era um sonho em que eu lutava.

De todas as formas.

Às vezes vestido para a guerra, outras vezes quase nu.

Numa hora estava em uma montanha, depois num deserto brilhante e logo em seguida me agarrando para não ser levado por uma correnteza.

Tantas vezes era dia, outras tantas noite fechada e muitas vezes terra e céu todo gris. 

Lutava com uma longa lança, uma borduna gasta, depois com uma pistola antiga, em seguida com as mãos nuas e até com um estranho remo amarrado com um longo tecido, em cuja ponta havia uma bola que feria os inimigos à distância.

Havia homens e mulheres ao meu lado e sempre ficavam para trás ou seguiam muito adiante.

Os inimigos  eram máquinas e cães enormes. Eram demônios e coisas rastejantes. Vinham todos na tocaia e na traição. Estavam nos castelos e nas estradas, nos edifícios e nos casebres miseráveis. Por todo lado e em todas as formas que o sonho ilimita.

Sempre próxima, seguindo meus passos, uma mulher desconhecida gritava avantes e coragens, preemente e intensa.

Deuses! Vou lutar para sempre?

E era boa e feroz a luta. Braços nunca cansados do golpear, olhar sempre atento ao próximo.

Mas, contra o quê eu lutava, afinal?

Contra todas as trevas.

Pois posso eu lutar toda uma saga de Ulisses, grego tolo. Posso lutar tanto quanto lutou Harry Potter, ou todos os companheiros do Senhor dos Anéis, ou tanto quanto cada um dos miseráveis da Guerra dos Tronos, ou todas as batalhas de Alexandre, tudo isso tudo junto e mais qualquer outra que puder lembrar.

Não vou conseguir remover nem uma simples camada que aprisiona a minha mente ou a sua.

Nem a primeira malha de aço, sequer uma das muitas grades, quanto mais uma das inúmeras paredes, muros e fossos que mantém a lucidez anulada.

A luz, iluminação, lucidez.

Desde o momento de nascer e através de cada mínimo segundo de qualquer vida, tudo conspira para cobrir, aprisionar, limitar, obnubilar sua lucidez com miseráveis matemáticas, regras estúpidas, convenções sem sentido, compromissos inúteis, religiões sufocantes, ideologias e leis de escravidão.

Tudo espessando trevas que escondem o que é e o como é, só restando esse real. 

Emanado de um rei mesquinho e cruel, constrói nas trevas a realidade que lhe convém.

Posso seguir lutando por toda minha vida, numa saga que é a soma de todas as batalhas, não vou conseguir remover nem uma simples algema que impede você de abraçar a lucidez.

Compreender os movimentos dos astros e dos átomos, a motivação das massas humanas, a razão dos comportamentos, os ciclos intermináveis e os motos contínuos.

Saber com lucidez, simples assim.

Sem preconceito, doutrinação ou dogmatismo.

Luz que rasga as trevas, desarma e desfaz a prisão do real imposto.

Ver de verdade, com olhos de alguma coisa que é maior do que a alma ou o espírito, essas invenções do irreal, outra invenção do real.

Lucidez.