segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Um acontecimento fora do ordinário

"As anotações do homem estrela"

Aconteceu um fato extraordinário nestes últimos dias.

Em 1971, escrevi um livro.

Tinha de 14 para 15 anos e vivia em Guarapuava, cidade então pequena no oeste do Paraná. Antes, morei em Curitiba alguns anos e voltar para uma cidade pequena foi o evento mais frustrante e penoso de minha vida. Em Guarapuava havia apenas uma pequena biblioteca, apenas um cinema, frio, vento e ruas de terra por todo lado. Os livros, li todos em pouco tempo. No cinema entrava quando queria e sem pagar, pois envernizei toda a meia parede de lambris ajudando meu avô. A neve queimou a pele de meu pescoço e trago a marca até hoje.

A idéia de escrever não era nova. Escrevi desta vez por ter encontrado um amigo, o Sérgio que, além de ter uma máquina de escrever, tinha um parente dono de editora. Assim combinamos: eu escreveria, ele datilografaria e editaria.

Inventei um personagem de ficção científica e escrevi 606 páginas.

Hoje, este eu não entende o garoto que escreveu aquelas linhas. Quase todo tempo cometendo erros básicos de grafia, muitas vezes de uma ingenuidade atroz e outras tantas mostrando uma sabedoria inesperada. Um talento ele possuía: sabia escrever de forma direta, sem perda de tempo e de primeira. Sequer reconheço aquele menino.

Mesmo antes de ter terminado, a família do Sérgio se mudou para Campo Mourão e ele foi junto. Terminei o livro, mandei para ele e nunca mais ouvi falar.

Em 1977... 1978, encontrei o Sergio na Livraria Guignone, na Rua das Flores, em Curitiba. Conversamos, comemos coalhada na Schaffer, meio constrangidos pelo projeto abortado e ele disse ter perdido os manuscritos numa mudança.

É isso, fim da história!

Se, não tivesse recebido esta mensagem um dia destes:

“””””Bom Dia!
Recentemente, fazendo uma arrumação em casa, encontrei alguns papeis que pertenceram a meu irmão; e neles aparecia o nome de um amigo dele: Pedro Malanski Jr.
E hoje passeando pelo facebook, vi um comentario seu. Buscando mais consegui seu e-mail.
As anotações do meu irmão se referem a um livro que ele e o Pedro estavam escrevendo. Isso se passou em Guarapuava nos anos 70 e 71.
O nome do meu irmão era Sergio, e nós nos mudamos para Campo Mourão em 1972. Meu irmão faleceu em 1980.
Gostaria de saber se voce é o amigo do meu irmão.
Desculpe tomar seu tempo.
Se voce não for o mesmo Pedro, por favor ignore e me desculpe.””””””

Encurtando, como faria aquele Pedro, ela me mandou os manuscritos, com cartas trocadas entre nós.

É uma historia extraordinária.

Mas há alguma coisa nela que me intriga.

Qual o significado desse evento justamente hoje?

NENHUM?

Impossível, nada acontece na minha vida por mero acaso.

FECHOU-SE UM CÍRCULO DA RODA DA VIDA?

Provável, se a vida fosse circular. A minha é uma espiral ascendente de evolução constante e se desenvolve rumo a um objetivo inexorável.

AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ?

Impensável, felizmente a vida não deve ser uma repetição maçante de toma-lá-dá-cá, como num inferno pessoal tantalizante.

MORRI E ESTOU PRESO A UM ASSUNTO NÃO RESOLVIDO?

Possa ser, se este assunto me perseguisse compulsivo. Não me lembro de ter pensado nisso ultimamente.

A não ser há uns dias, quando lamentei não conseguir abrir um maldito diskete onde guardei outro livro que escrevi, o “Como uma Pedra Rolando” e fiquei maldizendo os malditos formatos decaídos, usados para perdição da informação.
Nesta hora lembrei desse livro, dos meus sonhos infantis e imaginei o Sérgio em algum lugar do mundo, cheio de filhos e se divertindo de alguma forma. Foi duro saber que morreu num acidente de automóvel em 1980.
É uma merda de vida, às vezes.

A INTERNET É UM FENÔMENO IMPRESSIONANTE?

Sem dúvida, mas é explicação muito fácil, simplista e genérica.

FALTA CABEÇA PARA PENSAR?

Com certeza! Exercito “da refleção à luz mortiça” como falou Macbeth. Não entendo do que estou tratando, me falta estudo e diplomação para entender o fenômeno. “... a viva cor da decisão desmaia”, continuaria Macbeth, se não me restasse a ajuda de amigos para me dar uma luz nessa história.

É UM TAPA NA MINHA CARA?

Correto!

É como se aquele menino surgisse hoje na minha frente e me cobrasse todas as nossas promessas.

Se, com 14, escrevi aquelas tolices de forma incorreta, o que escreveria com 24, 44, hoje?

Todos os textos abandonados, as idéias esquecidas, os projetos recusados...

Sempre achando que o Mundo era ridículo demais para entender o que eu tinha para dizer.

Sempre avesso a me corromper pelo Mercado.

Sempre e sempre me corrigindo e me reescrevendo.

Insatisfeito comigo mesmo, enquanto tanto escritor medíocre faz sucesso.

Preguiçoso de refazer, revisar, depurar.

Sempre uma desculpa envolvendo casar, ter filhos, ao sabor da vida me levar, como qualquer acomodado nos caminhos fáceis.

Pois bate, menino!

Bate forte!