sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Sowf, alimento da alma

Houve um tempo em que a Terra era banhada por uma radiação estelar benéfica, evolutiva e positiva. 
As formas de vida então emergentes eram saudáveis, inteligentes e longevas.
Essa emanação era o Sowf e o planeta era então chamado de Rohanda.
Um evento cósmico inesperado interferiu no fluxo de energia, limitando a quantidade de Sowf que chegava ao planeta. E duraria milhares de anos.
Toda espécie de degeneração começou a acontecer.
Vidas encurtadas, hábitos violentos, desavenças, competição e guerras entre seres da mesma raça.
A quantidade de Sowf disponível era cada vez menor e o número de pessoas aumentava de forma incontrolável.
Como "uma mesma quantidade de manteiga para um pedaço cada vez maior de pão".
O planeta agora se chama Shikasta, a sofrida.

Seus habitantes ouvem a verdade e se esquecem dela.
Sua sede de Sowf é insaciada desde que nascem, durante suas vidas curtas e desesperadas, até a morte. Porisso consomem recursos desnecessariamente, sofregamente, desesperadamente.
Cada dia tem menos sábios completos, independentes e lúcidos a quem recorrer para resolver seus problemas mais cotidianos.
Todos são uma sombra em dia nublado, perto da glória solar de dias antigos.
As pessoas tem medo de tudo e de todos, sem ter quem lhes dê segurança e mesmo inspire confiança.
A educação é técnica, a moral é relativa, a cultura é instrumento de ideologias de dominação e consumismo.
Seus líderes são corruptos e comprometidos apenas com a mera ambição de riqueza.
Sua religião é apenas instrumento de dominação geográfica, ponta de lança do colonialismo e da exploração do homem pelo homem.
Todas as palavras estão mortas, pois não se referem mais à realidade e apenas justificam ideologias de dominação e consumismo. As palavras nada mais significam, agora banalizadas por mentirosos e profetas de falso Verbo.
Sistemas extraordinários permitem que a informação percorra o planeta de imediato, mas está tomado por mentiras, crime, banalidades e tolices que soterram tudo o que é relevante. 
E não há nenhum deles que se levante e diga que tudo está errado e nossos erros vão nos conduzir ao apocalipse do homem, ao fim do mundo civilizado.
E não há nenhum deles que seja honesto.
E não há nenhum deles que seja honrado.
E não há nenhum deles que seja inocente.
Nenhum que saiba a solução, proponha o trabalho e execute a revolução tão necessária.
O Homem está só.
O Homem está órfão.
É escasso o fluxo de Sowf e não há alimento para alimentar grandes homens.
Hoje, todos os homens são pequenos.
Não há mais Ciência, apenas Tecnologia.
Não há mais Arte, apenas negócios.
Talvez sobrevivam alguns que sabem extrair do ralo Sowf um pouco de alimento para suas almas imortais. Mas sofrem e se martirizam, são ridicularizados e adoecem, loucos e perdidos num oceano de ignorância.
Todos os sintomas de degeneração estão presentes.
A incompetência generalizada.
A impotência da Lei.
A surpresa com o previsível.
A dissociação de causa e efeito nos fenômenos mais elementares.
O Homem está só.
O Homem está órfão.
E caminha de forma inexorável para o destino traçado por suas religiões de estupidez inacreditável.
Seguindo o percurso traçado por suas ideologias maléficas.
Pois o Homem se torna cada vez melhor em sofisticar suas piores qualidades.