sexta-feira, 17 de julho de 2009

FÃ DE HARRY POTTER PAROU PARA PENSAR

Declaro minha admiração incondicional por Harry Potter. série de livros de J. K. Rowling que resultou em filmes e produtos sem fim. Todos leram aqui em casa e li também, cada um e alguns mais de uma vez. Sendo fã, não devia tocar no assunto com seriedade, afinal, é pura diversão. Mas, a partir da hora em que se transforma num fenômeno de comunicação de massa, os agentes que foram causa e os efeitos sobre a sociedade passam a ser relevantes. Então, o bruxinho que me desculpe.

Do ponto de vista literário, a autora pode ser igualada aos grandes contadores de histórias da tradição inglesa. Guardadas as devidas proporções e as exigências atuais da cultura pop, pode ser comparada a J. R. Tolkien ou a Charles Dickens como continuadora dessa tradição.

Independente dos rótulos de "infanto juvenil", "superficial" e "trivial" concedidos pelos mais intelectuais, sempre vou admirar a competência de um autor que conta uma história com naturalidade, criando personagens sólidos e verossímeis, de comportamento continuado, colocados em enredos interessantes e originais. Desde os mais clássicos, como Mika Waltari, até os mais mercantis, como Stephen King. São bons para ler sem complicações, só para diversão e bom passatempo, pois nenhuma leitura é inútil.

Assim, gosto mesmo do Harry Potter. Tanto, que lamento ter acabado. Mas isso não me impede de pensar o tema e o fenômeno de mídia.

A Unificação do Tema

Em primeiro plano, a esperteza da autora em realizar uma Unificação de tema. Pegou todas as histórias de bruxo e feiticeira, muitas referências a alquimia, magia simpática do meio rural, personagens da história e lendas, tudo sempre muito familiar na cultura inglesa e devidamente espalhado no Mundo pelo colonialismo britânico. Incluiu crianças na trama, ingrediente fácil utilizado por quase todos os autores - de novo Dickens, King, Tolkien e Lewis Carrol, J. M. Barrie e C. S. Lewis - e obteve um produto final que sintetizou todo um aspecto da cultura de seu país, com o talento de contar a história com leveza e eficiência.

Outros autores tentam fazer a mesma coisa em outras áreas. Uns conseguem parcialmente e pouquíssimos alcançam reunir todos os elementos para contruir uma boa história.

A Identificação do Público

Quando um menino comum, sem fortuna, sem família e sem casa para morar, revela-se um mago poderoso destinado a grandes feitos, é imediatamente adotado. Os adultos querem proteger e cuidar daquele menino doce e incompreendido. As crianças querem aquele irmão e amigo leal, sempre disposto a arriscar a própria vida por seus amigos e é inexorável com os inimigos.

Além do mais, para ser bruxo, não é preciso nascer bruxo, Ermione é filha de pais trouxas e a mãe de Harry é trouxa também. Mas é preciso um talento natural a ser cultivado, senão não tem nenhum futuro como bruxo, mas essa é uma realidade que não incomoda os fãs, pois no fundo sabem que tudo é fantasia e as coisas não podem ser consertadas com o simples agitar de uma varinha.

Os Mal Educados

A falta de educação dos pequenos bruxos e sua constante atitude de contestação às regras impostas pelos adultos, é até poética. Reflete de forma tão nítida a atitude da atual juventude, que é até engraçado. Lembrem da atitudes arrogantes de alunos nas salas de aula, a perda da respeitabilidade de professores em qualquer fase educacional. As crianças e jovens desse mundo permissivo e incompetente em dar disciplina, são cheias da informação vagabunda fornecida nos links de pesquisa do google, sem nenhum contato mais profundo com enciclopédias conceituadas e nehuma leitura de qualidade. Por força da vida artificial que levam nas cidades, com a desculpa de permanecer protegidos dos atritos com o mundo real, têm limitada experiência com o mundo real. Assim, são facilmente cooptados por fantasias e recusam experimentar. Contentam-se com o que julgam saber e recusam a experiência como algo perigoso. Os desafios se resumem a zerar um jogo, apesar da sensação de vazio que permanece depois que conseguem.

No complexo jogo de culpas dos pais modernos, os filhos saem perdendo. É culpa por não ter acesso ilimitado aos bens de consumo. Culpa por deixar as crianças sozinhas e ir trabalhar. Culpa por criar os filhos sem pai, nos casais separados. Culpa por impor um padrasto depois. Culpa por ter filhos fracos e dependentes que nunca mais saem de casa. Culpa por não castigar quando devia. Culpa por ter castigado. Culpa por ter culpa. Pais assim, produzem filhos que se acham merecedores só por ter nascido, nunca fazendo por merecer qualquer beneficio, cobrando indefinidamente as obrigações paternas como se fossem naturais.

Pobre Bruxaria

Andei por esses lugares mágicos durante muito tempo. Naquele tempo, procurava espiritualização e não a magia fenomênica. Para mostrar a diferença, posso contar sobre meu amigo James. Esse era poderoso e ainda é.

Iluminado, forte, mestre e campeão de kung -fu, capaz de prodígios inegáveis, como ver o futuro, alterar comportamentos e produzir efeitos físicos com o uso de seu dom. Poderoso, influenciava as pessoas com seus prodígios, mesmo gente inteligente e influente, pois carros oficiais e de grandes empresários congestionavam a frente de sua casa. Homens poderosos só agiam depois da devida consulta. Pegava um anel e através dele entrava na casa das pessoas, descrevendo objetos e ambientes que emanavam malignidade. Descrevia situações com detalhes que só a pessoa conhecia. Se tivesse coisas a esconder, ficasse longe dele! Era irresistível, mas alguma coisa sempre dava errado e ele não assimilava equilibradamente o processo, entrava num crescendo até a alucinação, se afastava por um tempo e depois voltava, novo e brilhante como sempre. Seu dom beira a maldição. Era o oposto do que eu procurava. Para mim, os fenômenos de adivinhação, preciência, percepção e outros eram apenas o resultado natural, um sub-produto inevitável e indesejado do processo de iluminação interior.

Em Harry Potter, não há uma menção sequer à necessidade de espiritualização. As bruxarias são apenas o resultado de uma fórmula mágica, uma vontade forte e uma varinha na mão. Nada mais. É processo mecânico e automático que pode ser aprendido numa escola que não é muito diferente de outra qualquer. Os alunos vão às salas de aula, aprendem, estudam e fazem exames da forma mais prosaica possível. Assim, um bruxo não precisa ser do bem, ou ser bom ou ser espiritualizado, nem mesmo passar por processo de iniciação nas artes que procura dominar. Tudo é feito sem nenhuma responsabilidade, sem nenhum preparo interior para ser bruxo. Falta moral.

A grande diferença entre Magia e Bruxaria é a seguinte:

Bruxo age sobre a natureza, mudando ou corrompendo. Mago age com a natureza.

Bruxo é cavalgado. Mago é o cavaleiro.

Bruxo é terra. Mago é Céu.

Bruxo atrai contra si as forças que busca dominar. Mago age em harmonia com as forças naturais.

Bruxo faz o que quer e está contra a Lei, pagando por isso. O que o Mago quer é Lei, só lembrar do "faze o que tu queres", mas para chegar a isso, é preciso saber querer.

Que me desculpe o bruxinho, pois ainda gosto muito dele. Ensina que é preciso ser leal aos amigos, caridoso com os animais, magnânimo com os inferiores e compreensivo com os ignorantes. Mas é preciso sempre permanecer pensante, consciente das incongruências e contradições dos produtos que consumimos, pois o verdadeiro mago é auto-consciente, sabedor da natureza à sua volta e das complexas cadeias de Causa e Efeito que movem o Universo.

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