segunda-feira, 27 de julho de 2009

Se eu Vivesse para Sempre...

Um dos mais perturbadores argumentos utilizados por Doris Lessing num de seus livros da série "Canopus em Argus - Shikasta" é o da longevidade. Num trecho, o personagem compara a vida longa dos primeiros habitantes do planeta, antes da degeneração resultante de um fenômeno cósmico, com a vida breve vivida por eles naquele momento.

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Naqueles tempos, os homens viviam por até 500 anos. Assim sendo, tinham uma longa infância para viver com a família, aprender e conhecer milhares de pessoas. Depois, uma longa juventude dedicada a aprender os princípios de sua vasta ciência, viajar pelo planeta e exercer dezenas de profissões, muitas por muitos anos, conhecer outras pessoas e estabelecer sólidos e longos relacionamentos com o outro sexo. As mudanças corporais acontecem devagar, solidificando corpo e mente. Adultos, permaneciam casados por séculos com a mesma pessoa, pois a escolha foi meditada e pensada. Se não dava certo após décadas, iniciavam outro casamento que podia durar séculos, pois havia tempo para acertar, errar e tentar de novo. Assim era com a profissão que escolhiam, pois um só indivíduo podia exercer várias delas, cansando e voltando às universidades muitas vezes, pois ainda era jovem e capaz depois de décadas ou mesmo séculos num mesmo trabalho.

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Como é diferente da vida imediatista que levamos.

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Nossa infância de 12 ou 14 anos de duração, um terço dela vivido numa sala de aula, termina depressa. Nem bem chegamos aos 9 ou 10 anos, quando conquistamos um pouco da liberdade de sair brincar sem um adulto cuidando, chega a idade de adolescer. É um período de explosão hormonal, emoções intensas e repentinas, urgência de viver e conhecer gente, acumular experiências rapidamente num mundo de possibilidades infinitas. Ao mesmo tempo, estudar e reunir habilidades para sobreviver no competitivo mundo adulto, ainda sem saber direito coisa nenhuma sobre o universo de informações que armazena.

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Adultos, temos apenas uma chance para tudo. Gastar os anos em que é aceitável e razoável estudar uma profissão. Investir todas as suas forças numa relação matrimonial com uma pessoa que conhece faz só uns anos! Se não for com essa, depois desse tempo todo de namoro, com quem será? Começar de novo, com anos de reconhecimento prévio ou seguir em frente e ver no que dá? Teve a sua chance! Construir uma vida esperando que dure, que não acabe dali a uns dez ou quinze anos e pegue você na meia idade, sem forças e sem saco de recomeçar. Para mulheres, então, é uma chance só. Se não for mãe até os trinta anos, o risco de ter uma criança especial é assustador.

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Nessa vida breve que vivemos, tudo passa rápido. Sem segunda chance. Passado e velho, como casar de novo, mandar para o diabo o trabalho chato, ficar uns anos só na praia e voltar um homem novo, sem culpa de tempo perdido. Pois só nós sabemos o que é perder tempo, o quanto ele é valioso para nossas vidas tão desesperadas.

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Naquele tempo, infância e adolescência podiam durar tanto quanto dura nossa vida inteira de hoje. Entre jovens e adultos, vivíamos mais de trezentos anos e a velhice nos declinava tão lentamente que o fim chegava manso e desejado, continuação de nossa eternidade natural.

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Mas, é se for bom assim? Pensou nisso, Doris Lessing?

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Viver a intensidade de cada momento por saber irrepetível. Caprichar em ser amável para nunca ter que recomeçar outro romance. Arriscar a sorte no trabalho, no amor e em cada escolha que fizer, esmerando-se em fazer bem feito o que não poderá ser reconstruído. Se não é o ideal, é o que temos.

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