terça-feira, 4 de agosto de 2009

Bandeiras Por Toda Parte

SINOPSE
A cada dez minutos
nos deparamos com uma
missão a ser conduzida.
No ar sem a menor brisa,
parado e morto, a bandeira tremula
completamente esticada à minha direita.
Sequer chicoteia ou entorta,
só tremula, percorrida por pequenas ondas
por inteira de um lado ao outro,
presa apenas pelo cordão de seda
nas duas pontas esquerdas.
Cada letra de seu dístico claramente legível.
Cada figura geométrica colorida completamente distinta.
Esticada e firme contra toda a gravidade,
em meio ao ar estático,
parece gerar sua própria energia eólica
vinda de lugar algum e indo para lugar nenhum.
Ao redor de um facho de luz,
indelevelmente presente
e originado de nenhum ponto identificável,
que a separa e distingue do universo,
só o mastro longo e firme vibra incontido,
na esforçada função de impedir
que a bandeira finalmente se liberte e voe,
reta e tremulante como sempre.
Uma bandeira dessas aparece

de vez em quando em minha frente,
pedindo que eu a empunhe.
Basta que esteja desprevenido,
minimamente sensível
ou levemente desembotado,
que me aparece uma bandeira dessas
pedindo para ser empunhada.
Basta um evento torto
a me despertar da letargia
e lá está.
Até quando estou dormindo.
Mesmo quando estou só pensando.
Sempre que saio um pouco.
É bandeira por toda parte.
Nenhuma maior que a outra,
nem mais nem menos colorida,
todas de igual valor,
todas igualmente razoáveis,
justificadas e gloriosas.
Tantas em tão diferentes cores e padrões,
para propósitos tão iguais.

Uma bandeirada infinita
pedindo para ser empunhada.
Logo para mim
e eu exclamo por dentro
quanta honra e distinção,
hipnotizado pela força da figura
que suscita à ação imediata
e acende um ímpeto
de atender ao convite de uma vez
e empunhar o mastro,
fazer parte daquele frêmito,
representar aquela idéia,
pactuar com aquele ideal,
enfrentar aquela luta,
dar fim àquela insensatez,
estancar aquele desperdício,
penalizar aquele crime,
iluminar aquela ignorância,
concretizar aquele sonho,
mitigar tanto sofrimento,
salvar aquelas vidas,

redimir aqueles pecadores,
reunir essa comunidade,
conduzir aqueles perdidos,
canalizar aqueles esforços,
aglutinar aquelas mentes brilhantes,
recuperar aqueles viciados,
desmascarar aqueles farsantes,
aproveitar aqueles talentos,
sublimar aquelas energias,
sacudir aqueles adormecidos,
oportunizar todos os empreendimentos nobres,
identificar, denunciar e eliminar todos os empreendimentos vis,
limpar aquela sujeira,
libertar aquele inocente,
honrar aquele princípio,
cobrar aquele compromisso,
consertar tudo o que está estragado e renovar tudo o que está desgastado,
ajudar igualmente o próximo, o distante e o diferente,
criar condições,
gerar movimentos,
apaziguar ambições,
motivar aqueles inertes,
reparar aquela injustiça,
jamais comer qualquer coisa que tenha sido arrancada da liberdade.
E mais.

Tanto mais a todo momento,
quanto mais permaneço vivo.
Cada uma, bandeira certa
e no formato exato de minha mão,
nela cabendo como se para ela fosse criada,
na medida exata de meu talento e capacidade.
Assim, a todo momento,
surge uma bandeira em minha frente,
pedindo para ser empunhada.
Mas, porquê ainda estão lá, tremulando solitárias?
Por incompetência, medo ou mera impotência.
Por preguiça, sossego ou simples inércia.
Por isso continuam fincadas por aí,
essas testemunhas de minha frustração.
Vá lá.
Pego uma e levo adiante.
Vou perceber o quanto é leve.
No início eufórico.
Erguida acima de meu interesse.
Esqueço que tenho o trabalho do dia,
sem o qual vou perecer
e perder tudo o que juntei.
Marcho movido pela certeza daqueles que nada temem
pois carregam a pureza da verdade.
Vou precisar dela,
no caminho que terei de percorrer
segurando bem alto a bandeira.
Montanhas de burocracia,
selvas de interesses mesquinhos,
desertos de corrupção,
pântanos de legislação,
tocaias de aproveitadores em estradas lamacentas.
Minha denúncia vai empacar
no primeiro boletim de ocorrência
modorrentamente preenchido e imediatamente esquecido.
Meu esforço vai se perder
no meio de prioridades suspeitas e discutíveis.
Minhas idéias vão perecer
por não se prestar a dar lucro a alguém.
Meu projeto vai afundar
por falta de amparo da lei
e na inexistência de lei.
Meus argumentos vão esmorecer
de encontro a paredões de indiferença.
Minha veemência engasgada

pelo conformismo dos cidadãos.
Minhas armas quebradas
na couraça de autoridades impotentes.
Meus punhos cansados
de esmurrar a porta dos palácios.
A outra opção
é não pegar nenhuma
e passar o resto de meus dias perseguido
pelas bandeiras por toda parte.
A cada momento tendo que fugir de alguma
e a cada vez sufocando
um enorme sentimento de impotência
ao retornar para meus dias sossegados

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