segunda-feira, 31 de agosto de 2009

ENXUGANDO GELO

O press release é a única fonte da mídia brasileira. 

"No silêncio de minha solidão, subi até o alto da montanha, donde me pus a observar os Homens." 
Naveguei meu olhar ao acaso, passando enfastiado pelas folhas do Jornal de hoje. Ouvi distraído o murmúrio monocórdio do Rádio. Percebi pelo campo periférico de meus olhos e ouvidos o movimento hipnótico da Televisão. Esperançoso, cliquei em todos os links que remetem a arautos, críticos e cronistas da Wede Wundial de Womputadores.
É como observar uma árvore enorme, onde a terra é o Fato, as raízes são as poderosas Fontes oficiais, o tronco são as Redes de comunicação e os galhos suas diferentes Formas de difusão. As folhas são esses milhões de sites e bloqs que persistem na obra de comentar, criticar, esculhambar e eternamente repercutir.
Maravilhoso sistema funcionando como um todo dinâmico. Impressionante uso de tantas inteligências, inumeráveis aparelhos e mecanismos, exaurindo vastos recursos naturais, consumindo fabulosos megawats de energia elétrica e incalculáveis quantidades de calorias de energia vital.
Todos eles e tudo isso pautado quase que exclusivamente no cotidiano político.
Todos trazendo o fato sem explicação, com a promessa de um laudo qualquer daqui a sessenta dias.
Ocorre perguntar a uma testemunha ou obter qualquer dado que não seja o oficial?
Ah! esse Estado Total. 
Folheio o jornal e calculo mentalmente a quantidade de espaço ocupado por fatos e factóides políticos, tanto relevantes quando mesquinhos. No rádio ou na TV, todas as notícias falam das atividades dos três poderes - ah! tão poderosos! - cada um inventando justificativas para a própria existência, defendendo suas distorções e aberrações, esquivando-se de suas responsabilidades, sempre utilizando a mesma intragável retórica a serviço de ideologias insustentáveis.
Nos sites e blogs, ecoam os mesmos temas, abordados por jornalistas de notória competência e por uma legião de cidadãos amadores. Quase todos niveladamente geniais, contribuindo com análises precisas e acuradas, sempre originais, universalmente chistosas, para a inútil tarefa de pensar o mundo político que infesta igualmente todos os ambientes de informação.
Batalhões de caçadores de notícias, cuja formação jornalística nem sequer é reconhecida hoje em dia, aguardam ansiosos em todos os locais geradores de notícias políticas. Nos corredores do senado e da câmara federal estão postadas as maiores atenções. Em cada canto, em cada estado, nas assembléias de vereadores, esperam o press-release, a notícia ideologizada e pasteurizada que há de percorrer todas as mídias. Deles são esperados os grandes escândalos que desnudam suas vidas e expõem o preço que pagaram para obter e conservar poder, assim como todas as ilegalidades, artifícios e pura malandragem que sempre praticaram para fazer dinheiro e abrigar os seus. E se não produzem essas notícias, para eles são carreadas todas as questões como se fossem capazes de gerar solução.
É a mídia pobre e pequena do press release. Aqueles comunicados feitos para promover um evento, propagandear uma personalidade, vender um produto sob disfarce institucional, notas oficiais, discursos manjados. Preenchendo horas e horas de noticiário vazio, feito por gente mal paga e mal preparada que não noticia, só alardeia. Não informa, só difunde. Não pesquisa, só repete. 
Ah! esse Estado Divinizado!
Serão assim tão fascinantes, a ponto de merecer tanta atenção?
Não é estranho que os veículos de comunicação destinem tanto espaço para o noticiário político, pois vivem de vender notícia e nesse meio costuma acontecer coisas com as quais nem a mais delirante ficção pode competir. Afinal, são figuras de poder confundidos pela população com figuras de nobreza, mas nem um pouco merecedores dessa expectativa.
Contudo, meu olhar se detém entristecido nesse enorme contingente de pessoas criativas, inteligentes, sagazes e corajosas que produzem milhões de terabites para ficar nessa mesma pauta política.
Como no final da cena "Ser ou nâo ser" de "Hamlet", tudo termina só no pensar e jamais qualquer ação será iniciada. "...o firme, essencial cometimento que essa idéia abalou, desvia o curso e perde-se, até de ação perder o nome". Pois em quase todos eles percebe-se o mero desabafo, um ato de vomitar indigestas informações que absorveram dos canais de comunicação pautados em política, que seus estômagos sensíveis não foram capazes de assimilar.
Assim repercutem, repetindo o óbvio e a conclusão evidente, com palavras ligeiramente inéditas, coroando desfechos confortavelmente generalizadores. Apetrechados de algum estudo e certamente tendo lido um punhado de livros, é claro que têm a acuidade suficiente para identificar as distorções sociais e, até mesmo, certa sensibilidade para se indignar. Mas, é como se a cada nanosegundo uma revolução sucumbisse sob uma avalanche de palavras.
Todos esses talentos dedicados à pauta política, atualizados com a última bombástica e revoltante irrelevância, funcionam como agentes de amortecimento da catarse social.
*
Banalizam ao invés de recrudescer. 
Arrefecem a ação quando a restringem à discussão.
Relegam a revolta ao limbo do inconsciente.
Cicatrizam feridas que não deveríamos jamais permitir que fossem saradas.
*
Só queria um gesto de cada um deles.
Daqueles que não fossem os mesmos que deixam os carros sobre calçadas, que não separam o próprio lixo, que não vivem apenas para produção de sucata, que já não vivem sob o teto de seus pais, que não sobrevivem por força de ações amorais, que não são capazes de ferir por seu time de futebol, que não aproveitam sinais amarelos e não dirigem embriagados, que não vivem de proventos públicos, que não admiram celebridades promíscuas nem heróis sem decência, que não encenam personagens éticos e são capazes de atos de altruísmo. Só pediria a cada um dos restantes um simples gesto muito maior do que todas as suas palavras, para, enfim, ter um mundo decente prá se viver.

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